Soçobra um punho branco, como lençol marmóreo sob um manto glauco que poderá ser sargaço pousado na espuma ou a proeminência da camisa que se rebela: é o meu braço, limemos as esporas de uma métrica que conduz ao equívoco, é unicamente o meu braço, lato e inerte. Mas existe algo neste constraste de pigmentos que desnivela a minha sensibilidade, algo só e apenas tangível através de um marasmo de caracteres que aqui devoto. É o significante, o signo, a prosa latente, a dimensão imanente que granjeia novas morfologias logo que fixada num formato assimétrico. E porquê assimétrico? Assimétrico ou dissíncrone porque o cultivo da construção situa-se num limbo entre o que é o que fazemos ser. Esta realidade "decalé" entre o que é perceptível e o que percebemos é aquilo que definimos como interpretação. Ao procurarmos estabelecer elos de consignação semântica ou iconográfica, como que alinhamos os sintagmas que compõem uma malha final cujo fractal é a inteligibilidade que lhe conferimos. Definir, segundo a resenha de Pascal, é limitar, mas será por outro lado, imitar, forjar um objecto no qual enxertamos em potência a configuração do referente. Bragança de Miranda considera a imagem como uma "lesão primordial das coisas", um vilipendiar da essencialidade de um objecto, desfazaendo a sua opacidade, colocando-o a nu, mas provido de um novo traje, de um neologismo, de um revestimento semiótico ou metafísico. A objectualidade poderá ser entendida assim como um trompe l'oeil, um ditirambo dionísiaco cuja efígie é a nomeação ou epíteto que lhe atribuímos.
A minha manga é verdade porque a vejo. É verde porque a traduzo em verde e tem branco uma vez que um vácuo cromático cria um feixe níveo que é a manga da camisa. E tudo isto é tão real quanto falível ou esmorecível.
Hoje dei por mim a ouvir a música "Be" do Neil Diamond que, orquestra a rebelião de uma gaivota chamada Jonathan Livingston Seagull, do livro com homónimo epíteto, escrito por Richard Bach. Vi o filme, como advento de uma corrente esotérica e demanda de descoberta de então; era na época adolescente, revoltado com o desajuste que a minha personalidade cobrava do mundo, logrando que na dissemelhança, no comportamento endémico e implosão emocional poderia erigir um universo meu. Hoje sei que estou certo: é possível garimpar na selha constelar de escolhas, uma que nos aprouva que nos sirva, mas sendo desta servos. Poderá parecer que escarneço a individualidade que arrecadei, mas o que acontece é que como em tudo, a concentração e exacerbação em desmesura conduz à cristalização e à infusão de um objecto tornado fetiche. Vivo efectivamente à margem, como todos vivemos, de uma normalidade latente, mas não estou convicto dessa anormalidade ou atipicidade feliz, porque não creio no que sou, não sou todo eu pensamento desde a asa até ao vôo, como o livro propõe. Houve, algures no meu crescimento, uma estagnação, um receio, um assombro não traduzido em evolução e hoje temo qualquer manifestação do meu espírito. Vivo por isso à margem dos outros e de mim próprio, com um pé no arquipélago e outro na ilha que impeço de sucumbir.
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