Não sei como te dizer, avô. Não sei como te dizer que a personagem que encerras, existe em mim, e que o “mim”, é inefavelmente, pretensioso, pois “mim”, “mim” é a multidão onde me ergui, “mim” sou eu, um eu colectivo, um eu uníssono. E mesmo que um hábito, uma prática ou memória presente não decorre directamente do teu legado, ele, por si, inteiro, se faz atribuir autor, à rubrica, ao cunho da tua passagem, que trauteou os meus passos. O meu gosto pelo desconstrutivismo do objecto vida, dos detalhes que a obra da imaginação extasia em fenómenos vivos, em animais de cetim e cornucópias caleidoscópicas de estrume vivente. Não sei como te dizer que me pertences, porque assumi-lo, seria, no rigor impreciso das palavras, esmorecê-lo. A prática da escrita é o pleonasmo redundante de si mesma, pode ser plural, dolorosa, dolente, indómita e torrencial, mas, balbuciante, imperfeita. Não te sei conjugar, pretérito avô. Possa a minha vida, o meu silêncio ensopado de palavras surdas, que te desdigo, ser a mesquita, o mérito e o voto da tua beleza.
Não te sei dizer a falta que me farás. Não sei pensar o que não me é apresentado. Sei antever a agonia, mas não sei se suportarei. És tão igual a mim. Ou pelo menos penso que o serás. Enclausuraste os ditos que se estilhaçam nas rochas imberbes da incompreensão, em ti mesmo, como eu. Já desisti de gatinhar no chavão da estranheza, tão pouco é isso mágoa, apenas pensamos demais, ou de menos, com a carne. Apenas idealizamos demais e concretizamos de menos. O mundo é dos empreendedores, dos audazes, não ardilosos comiserados como eu. Que darei eu ao mundo? A minha impotência? Não acho nada errado, tão pouco consigo combater as placas oscilatórias da minha precavidade, em prole dos meus actos. Queria gritar com clavículas e alvéolos, defronte de todo o mundo Helénico: Eu sei-vos! Eu sei-te, mulher dos gestos empertigados, sei que a mecânica da tua indulgência não te tingiu o receio apavorado do teu seio tremeluzente! Abre-te! És de facto assim? Não, um eu sem isto que digo! E de que me adianta sabê-los?
Tudo o que eles possam assertar sobre mim, é incolumemente real. Tão mais real por impensado e remexido e pisado e fermentado. Pensam como fruta colhida ou pedra. Mas nunca metamorfoseada. Nunca metafisicada. E porque mostraria eu este texto a alguém? Só quero esperar dele repulsa, náusea e congestão. Nunca brio, mérito ou menção. Mencionem-me como a epígrafe da convalescença e viverei em patologia com o furor da minha existência. Mas eu preciso disso. Dor real. Ousar destrinçar e dilacerar a metafísica. É Nauseabunda, é cocote com véus de cortina carcomida pelos trajes do medíocre. Matem-na! Arreganhem-na!
E que sobranceria posso eu ostentar por este feito!? Nenhuma! Damos demasiada simbologia ao que fazemos. Apenas vomitei e por perversão conservei a disposição desse frémito convulso num pedaço consignado de podridão fútil. Este texto vale um pouco menos do que merda. A merda fertilizada. E isto já é roubar louvores ao húmus, a Minerva e à Ecologia. Isto é acético, anestésico, é merda química, é meta-merda!
Guilherme Gomes, 10 Junho, 2007
“Se um homem imparcial folheasse uma a uma todas as modas francesas, desde a origem da França até ao dia presente, não encontraria nada chocante, nem sequer de surpreendente. As transições estariam aí tão cuidadosamente integradas quanto as da escala do mundo animal. Nenhuma lacuna e, portanto, nenhuma surpresa. E, se juntasse à vinheta que representa cada época o pensamento filosófico que mais a ocupava ou agitava, pensamento cuja memória a vinheta inevitavelmente sugere, veria quão profunda é a harmonia que rege todos os membros da história e perceberia que, mesmo nos séculos que nos parecem mais monstruosos e loucos, o imortal apetite do belo encontrou sempre satisfação. (…)
O Belo é feito de um elemento eterno, invariável, cuja quantidade é demasiadamente difícil de determinar, e de um elemento relativo, circunstancial, que será, se quisermos, de cada vez ou em conjunto, a época, a moda, a moral, a paixão. Sem o segundo elemento, que é como que o invólucro divertido, titiliante, o aperitivo do manjar divino, o primeiro seria indigesto, inapreciável, inadaptado e inapropriado à natureza humana. Desafio alguém a encontrar uma única amostra de beleza que não contenha estes dois elementos.”
BAUDELAIRE, Charles, in “O Pintor Da Vida Moderna”,Lisboa,Novavega,2006
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