Segunda-feira, 28 de Maio de 2007

Sofisma Blog




Consigno portanto, a estas tardias e malogradas horas, em que deveria debruçar-me sobre qualquer parapeito menos escorregadio que o da pretensão e regozijo, a privada e modesta inauguração deste espaço vosso e meu.

Sofisma.blog.

Disfrutem.

Programado por mim.

;)
sinto-me: Traquina
música: Toms Diner
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publicado por sofisma às 00:43
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Domingo, 27 de Maio de 2007

O Metrónomo



O metrónomo acorda.

 

Dez segundos morreram num sopro. A fita corre. A luz ilumina incandescente, as tiras contrastadas pelos sais de prata. Dez segundos. 25 Fotogramas elevados à potência de 10. 250 Vácuos. 250 Fotografias cada uma. Uma história. Uma vida.

 

Alguém disse que: “A fotografia é o inventário da mortalidade: mostra a vulnerabilidade dos vivos na sua própria destruição.”

 

Um momento, embalsamado na eternidade de uma sombra; a autenticidade da ausência, de tudo, da distracção que se perde nos olhares irrequietos.

 

Ouço o metrónomo preto no compasso da fita:

 

Preto e branco, preto e branco, preto e branco.

 

A beleza monocromática é uma faca de dois gumes. Tem o seu quê de ríspido e de misterioso.

 

Uma beleza pueril, concisa, sóbria, austera, solene, inequívoca e crua. Trespassando as linhas da cor, chegamos à análise por excelência, nada mais do que o sabor a facto, a garantia acontecida numa imagem plena de verdade.

 

O metrónomo suspira: preto e branco, preto e branco.

 

A busca desesperada sempre foi em prole da cor. A vontade, alastrou-se ao mais escondido fosso e à mais alta montanha. A cor, queremos cor.

 

Nada do que temos basta. Porque a vida respira cor. A vida exalta cor. As rosas são sangue de gema. E o amarelo das açucenas precisa de cor. Cor que o empalhe num registo de âmbar.

 

No negro queixume. No bafiento clima espesso dos sais de banhos de revelador. Nicéphore matutava numa forma de germinar o espectro cromático.

 

Os Daguerretipistas, mergulhando com afinco as suas mãos intoxicadas nos tanques, esperavam pintar o que era irregistavel- a cor.

 

“O Homem Sonha, A Obra Nasce...”

 

Em debandada, a cor lança o espartilho de novidade, e, em pesos atrozes, senta-se no pedestal da permanência.

 

Mas no firmamento convicto, o preto e branco em zunido de fundo, mantém-se, copioso e cioso.

 

Preto e branco, preto e branco.

 

Que fenómeno o fez viver? Porque ainda hoje, o preto e branco é recorrente?

 

Preto e branco, preto e branco.

 

Uma boa imagem, é além de uma captura, uma materialização de um símbolo, transforma um bom momento numa boa memória.

 

E será a ausência. A neutralização erradicada da cor. A abstenção conscienciosa de todo o acessório. Todo o apêndice cromático e extravagante, um realce de beleza?

 

A voz do tempo é grave e sisuda.

Antigas abordagens já haviam destacado como culto a faceta analítica da cor.

Escolas como a Bauhaus e os seus princípios puristas; teorias, como as de Gestalt, com o seu determinismo asseverado. Contradisseram as exaltações de volúpia do universo da cor, que tão idolatrada foi por Kant.

 

A incomparência da cor. A inexistente estética de um mundo que não dispõe de estética.

Ao despojarmo-nos da cor, distanciamo-nos da realidade, criando uma nossa.

A cor falha irremediavelmente na análise da matéria.

Sofreríamos imensamente mais com a crueza de um corpo jazido num terreno de batalha, a cor terrosa do sangue empastado na tela desviaria a atenção da cena, tropeçaríamos no domínio da emoção imediata, privados de uma interpretação intelectual.

 

O mundo a duas cores, é uma gruta sem sopro, mas, neste restrito espectro de realidade, a realidade soa a mais realística, por muito antitético que possa parecer.

 

Associamos a cor ao fugaz, à efemeridade repentina, de rajada, a cor, impressionista nas telas de Monet, plasticista nos contornos de Gauguin. A cor da celebridade, a cor da realização instantânea, que se desabrocha e morre no solstício. A ausência de cor é a ausência de tempo. Sobreviver como herói ao tempo, é prescindir da realidade inconstante.

 

Preto e branco, preto e branco.

 

Mas, sendo a cor predominante, qual o universo da falta dela?

 

A atmosfera duotónica foca-nos nos elementos construtivos, declara sem ensaios extravagantes ou ostensivos a sua intenção. A cor corrompe. A cor não é formal. O afastamento dela é ir ao encontro do que turva os olhos. A abstracção, como veículo de abstenção, abdica da matéria, fugir ao mundo cromático, é somente ver melhor. Soprar a maquilhagem da cor aplicada no cadáver do pensamento.

 

Preto e branco é História, é veracidade documental, dramatismo comedido, contenção, focalização aguçada.

 

Pensemos, como se trajam as orquestras? Preto e branco.

A que associamos os comerciais sensuais e requintados de moda e perfumaria? Preto e branco.

 

Que plástica esconde a “Anti-cor”?

 

Aprendemos, segundo Umberto eco, a ver sem cor, ou com ela, aprendemos a ver como símbolo, como artesãos de memórias.

 

Porque continuamos a preferir este meio redutor na imagética do nu e das plantas? Será que o ígneo da rosa feriria de tanto encarnado? Apreciamos melhor a beleza de uma tulipa, saturando à imagem de laboratório a sua imagem?

 

Inerente ao luxo, à subtileza do requintado gosto intelectual e elitista, encontram o preto e branco.

 

O metrónomo abranda docemente.

 

Cessou.

 

“A arte é uma mentira que nos faz perceber a verdade”

 

Picasso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sinto-me: metronómico
música: Love me for a reason
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publicado por sofisma às 23:43
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Acaso

Por um lado, compreender a vida, é aceitá-la como um estilhaço, perceber que pisamos um chão quebrado de angústias que nos pertencem tanto como o sangue alheio que tece o mosaico do tempo. O Tempo, aquela morte que vive nos relógios, aquela promessa indigna, conspícua e emergente que é um presságio de morte. E exigimo-nos, demandamo-nos a fortaleza do nosso ímpeto, contra o rigor das horas, a injustiça da vida e o desassossego das impressibilidades. Mas, por muito que me ditem que, aceitar o tédio como o aborrecimento natural de quem matuta na vida, por muito que analogizem a náusea da solidão humana com o desbotado de uma botas gastas, não posso deixar de odiar a melancolia. A comiseração. Não sei em que crer, se na inverosimilhança da existência, se na fuga às estradas largas, se na inevitabilidade – no fundo não temo a morte nem a perda de vontade. Vontade tê-la-ei sempre, nem que seja vontade de não ter vontade. Nem que seja o decreto de me destruir lentamente na minha teia de ópio venenoso.
 
Como disse Nietzsche: “incapacidade da vontade para se satisfazer sem adversário e resistência”.

 

Hoje apercebi-me de uma coisa: Há um pronuncio nos presságios de um dia; pequenas mensagens por decifrar que pairam na caspa dos planetas, deixadas como o almanaque da possibilidade nos parapeitos; tudo depende do som da persiana que corre no início do dia; tudo depende dessa insignificante mensagem acolhida pelo meu ouvido sonolento – a vida faz-se disto: insignificância significante.

música: Ne me quitte pas-Jacques Brel
sinto-me: Poético
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publicado por sofisma às 18:08
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